Ivan c. Proença (*)
Na
crônica De um caderno escolar, o A. lembra que “guardar velhos papéis
sempre nos reserva agradáveis surpresas”. De fato este livro presta uma
homenagem às escritas, anotações de vária natureza, fotos, viagens e tudo mais
que possa justificar o título Os meus papéis. Na crônica citada já são transcritas duas
curiosas críticas-apreciações escolares que o A. fez, como estudante, às obras João
Ternura (Aníbal Machado) e Vidas Secas (Graciliano Ramos), dois
notáveis mestres da Literatura brasileira.
Teócrito
Abritta se coloca, ao longo de suas publicações de variado gênero (contos,
histórias curtas, crônicas, etc) como um dos mais importantes escritores
nossos, contemporâneos. E talvez o único que desenvolve, com frequência,
aspectos da Teoria Testemunho.
Das técnicas
Como
sempre, o A. domina a escrita, e suas estruturas formais de literariedade, com
competência e adequação aliada à verossimilhança do(s) tema(s) em pauta,
valendo-se do intertexto, da metalinguagem, do narrador intruso, das zeugmas,
do enxugamento que não transforma o texto em código cifrado: tudo na justa
medida. Sem esquecer as visitas
(intensas) líricas que se evidenciam ao longo das narrativas desde o
texto-abertura, ao episódio dos sons do amolador de facas “na rua de minha infância”
e que aos poucos se afastava, sumindo, sumindo...; à crônica Letreiros e
lajedos, ao núcleo Viagens na minha terra, às fotos das figuras 11 e
12. A lembrar, ainda, as técnicas de
abordagem dos motivos através parâmetros do Testemunho, com o
objetivo (também) de restabelecer aspectos ignorados pelas Histórias oficiais
ou turísticas das regiões: Brasil e exterior (Itália, Tibet, Reino do Butão,
etc): funções estas que dignificam o fazer literário.
Dos significados
A
errância do A. se evidencia em viagens no nosso país e por esse mundão de
longínquas regiões, observando e registrando hábitos e costumes, gentes,
línguas, trajes, falares e crenças. O A. transita por textos-retrato da
violência urbana de nossas cidades (Uma tarde em Costa Barros e A viagem), contrastando com “a sereníssima Veneza”, e pelas noites e becos
medievais da pequenina Érice. Tudo
acrescido de notas informativas, descritivas, elucidativas dos textos a que se
referem e ou complementam.
Não
se imagine, porém, estarmos diante de um livro talentoso, apenas exercício
literário de um A. cuja escrita é plena e competentemente conduzida. Este os meus papéis vai além, como,
aliás, a obra em geral de Teócrito Abritta. Textos ostensivamente comprometido com a
função social da escrita literária: denúncias e inconformismo diante dos
quadros e “jogos” políticos, da desigualdade social, do universo autoritário,
imperialista, poderoso, quão impiedoso, exercido por minorias que detêm o poder
junto aos povos desassistidos. Não raro
visão Anarquista do A. diante de tais contextos envolvendo opressores e
oprimidos. A velha história, mas que se repete por toda a parte.
Ao
final do livro, reitera-se fragmento da narrativa A memória intrusa, em
que o A. elabora metatexto discutindo seu fazer literário “vou tentar
escrita mais elaborada. O texto será diferente... tal a construção de uma
pirâmide, pedra a pedra”. Mas
confessando, faz a ressalva, embora: “escrever sobre o que vejo por aí é sempre
mais fácil”. E nós acrescentaríamos ao
A.: “o time está ganhando, Teócrito Abritta”.
(*) I.C.P. é
professor, mestre e doutor em Literatura. Ensaísta.
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